quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Sobre a dádiva e a tortura de poder escolher


    Não sei se fico feliz ou triste demais. Ando numa corda bamba de merda, apostada ficar de luto pela morte de uma das partes, sem nem desbravar com a gana de um ingênuo a outra parte que se faz por vir.  

Sentinela do sono



    Sabe, às vezes gosto de admirar o que é meu num raio de cem metros... A poeira minha, a caixa vazia minha, a prateleira pendendo minha, o guarda-roupa inacabado meu. Aquele escrito sobre um devaneio súbito que esqueci de escrever também é meu. Assim como a formiga que tangencia o vão da porta.
    Os sentimentos do desconhecido que desce as escadas do prédio. As emoções escritas em cartas e bilhetes dentro do baú trancafiadas. O livro divertido porém desprezado por não conter grandes depressões também o é. Até a mãe que dorme no quarto ao lado se diz minha.
     Essa maldita insônia a mim pertence. A dor de cabeça futura com o prejuízo financeiro também. Tem até certos sonhos que esporadicamente são meus. Tudo é meu. Menos eu.

                                   

domingo, 22 de julho de 2012

Valseta


Tu vens e
A realidade é que molhar a minha boca
Suada da tua
Não foi de grande eficácia

Depois sem calor
Te despedes de mim
Só mais uma vez
Pra não falar uma terceira

Tento gastar de toda uma liberdade
Em um dia só
Sem lágrimas póstumas de desalento
Só com a aflição da certeza plena

Depois
Vem tua lânguida face
Vem se espreguiçar em cima de mim
Cobrando o meu afago de sempre

E se enganando ao saber que
Tens a mim o monopólio
Eterna bailarina do teu vai e vem
Mas tu vacilas atento aos meus sinais   


                 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ler um conto


    Ler um conto e se sentir em uma vida, sem pressa para voltar, com um destino já traçado, mas indeciso. Irredutível. Sair dele e virar a página para prontamente começar o outro é quase castigo físico.

    Uma vida não se larga assim tão depressa. Nem o tempo se faz sem pausa. Nem Deus o faz.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Cadarço

  O sol saindo e ainda se punha a dormir, um desacato aos outros brasileiros da segunda-feira.
Coloca a mão sobre a mesinha ao lado a ouvir as horas no despertador que não funciona há três dias. Nada funciona. A água escorre dos cabelos crespos para as costas, depois desce e segue o rumo do suor.  Segue a voz que vem da cozinha preparando o café quente.
  Sobe para o seu quarto e continua a procurar algo no dia que funcione.  Calçando o par de tênis velho, fica com a visão aprisionada, mesmo sem notar, no quadro bordado pela vó pendurado acima da cama, lembrando do trabalho da faculdade para entregar no dia seguinte. Não são tantas páginas para ler, ou melhor, tocá-las suavemtente para ler. Vai dar tempo, vai funcionar.  Quando ergue as pontas do cadarço. Alinha. Faz um volta. Entrelaça. E finalmente,  puxa. Cá está o formoso laço bem feito,todo pomposo. O garoto parte para o outro calçado. Os mesmos movimentos, mas com um certo desleixo, já que o pensamento se subverteu na profecia de mais um dia sem muito caso e mais descasos.
  O trajeto de toda manhã, conhecido muito bem pela bengala. O perigo tangenciando esses movimentos por causa de um laço desajeitado, colocando em risco o passo dos dois calçados. Um impecável e outro desleixado. Um que funciona e outro que não serve para isso. O garoto toma o ônibus e encontra uma pessoa prestativa que lhe cede o assento. Quantas pessoas se espremendo em uma só condução.Quantas pessoas? Como os fios de um laço de cadarço, todos juntos e bem alinhados, mas de que adianta se esse cadarço for o desleixado? O que não funciona e põe em risco o trabalho todo bem prestado do outro cadarço ao lado.
  Põe a mão para fora da janela e sente as gotas da chuva de dez horas.A velha ao lado estranha a demora que o garoto leva segurando a chuva. Bem que essa chuva podia ser fina e vagarosa, que levasse o que não cumpre sua função embora. Desce do ônibus e vai logo pisando onde não devia, em uma poça de espelho no qual seu reflexo invisível brandava sem muita definição. Aperta o passo, em um compasso ensaiado com o tênis encharcado para desgosto das outras pessoas. Sala adentro, seguido por pegadas enlameadas, todas elas disfarçadas.Pela voz elegante, afetuosa e quase quente, o goroto percebeu que quem lhe atendia era um daqueles caras com a cara de garçom. Provavelmente alto, de ombros largos e todo alinhado.Mal sabia ele que o cara desviava o dinheiro da agência de empregos. Eram quase onze horas quando ele pediu que o garoto sentasse do outro lado da mesinha caindo as pedaços de tão velha. Foram-se CPF, cartão de identidade e um currículo. Depois um até breve, uma promessa de ligação e uma advertência sobre o cadarço mal amarrado.
  O garoto saiu da sala apagando as pegadas que ele mesmo fez na chegada. Na calçada, aproveitou para se agachar, ajeitando o mal laço. Quando de súbito, sentiu um joelho contra suas costelas e ouviu um baque desengonçado a cair no chão. Tateou a pessoa que lhe atropelara  e sentiu sua face de dor que não poderia se prolongar, devido a pressa. O moço não era muito gentil e nem pediu desculpas pelo esbarrão. Só juntou as velhas folhas que estava lendo, balbuciou alguma coisa sobre falta de dinheiro e seguiu o em linha reta quase como se nada tivesse acontecido.Mas não sabia que o moço entorpecido lutava com contas do orfanato que ele coordenava que estava passando por dificuldades financeiras. O garoto ficou lá, esperando o próximo caso inusitado. Depois levantou, colocou os fones que estavam gritando Sex Pistols e continuou sua jornada com a bengala.
  Resolveu não ir para a faculdade naquele dia, queria fantasiar outros casos inusitados.Aproveitou o caminho diferente que resolveu tomar para deslizar a mão nas construções molhadas pela chuva, ouvir o barulho do anel tilintando nas grades de ferro e sentir o cheiro agradável da grama banhada recentemente. Ah, a chuva! Ela realmente não levou o que não funcionava, mas isso não a culpava ao ponto das pessoas correrem com medo dela. Tão apressadas, se esqueceram de tomar o banho que a chuva dá por dentro. Lembrou que de manhã esperava que nada no dia funcionasse, mas a chuva de verão lhe fez editar o pensamento ao ponto de esquecer o remorso que sentia por pensar que não vivia. As outras pessoas, em suas atividades, quase como um nado sincronizado, sempre de passo apertado. Como um cadarço, o pensamento errôneo de que estavam vivendo passava por elas que eram os buracos do calçado. Só que esses buracos não foram causados pelas pisadas em falso, foram feitos justamente para receber esse cadarço, ou melhor, o pensamento citado. Então, por uma visão racional, estão funcionando com eficiência.
  E de noite, o garoto repousando os cabelos no travesseiro, com a mão na nuca, fez uma revisão filosófica do dia ocorrido. E levou em consideração duas pessoas notáveis, o cara com cara de garçom[aparentemente] e o moço do esbarrão. O cara seria o seu laço pomposo, cheio de nove-horas, o que funcionava e alertava do outro cadarço bastardo. Enquanto esse cara todo alinhado, performático e bem passado era cruzado por esse pensamento-cadarço. O moço seria o laço desleixado, quase deslaçado. Mas esse não funcionava, felizmente.Era atrapalhado, desengonçado, mas tinha a verdade dentro de si.  Não passava por ele o pensamento-cadarço de viver  não alcançando o que se é viver.
  O verdadeiro risco do tombo desenfreado não está no cadarço desleixado, está no outro,o impecável, que de tanto pomporismo se enrosca em si mesmo.Valsando em versos decassílabos de sonetos e que não respeita os versos livres .Acaba por ter que servir único e exclusivamente a ele mesmo, fazendo até Narciso se roer de ciúmes.’’Sem glória, sem fé’’. O que se manifesta é que o perigo dos passos enroscados está nesse verso todo arranjado, manipulado e estável do cadarço bem amarrado.

De veneta


Se tiver que escolher entre uma desequilibrada e uma Amélia, escolha a segunda.
Se é um daqueles com força só nos braços.
A desequilibrada por vezes se tornou Amélia, mas ao contrário da de fato, maquinou a revanche e fez parecer que foi precipitada.
A desequilibrada não escolhe os dias em que se vai viver, ou correr, ou pecar, ou nadar.
Os dias é que a escolhem.
E por aqui não se dizem irresponsáveis, se dizem vivas. E por aqui não se dizem putas, a não ser que escolham.
A desequilibrada não vive em gangorra, como você sabe.
Não busca um amor, busca amar. Amar bem forte, que fique escrito. Com os desejos limpos, mas também os sujos.
Não é boneca inflável, é outro homem.Mas nem sempre é certa de si.
Tem voz, tem vez, é fato. Mas é cheia de vontades sem pé nem cabeça.
Ora, francamente. Alguém já viu pé ou cabeça na paixão?
E é nessa estação que se nomeia desequilibrada. Pois sem paixão, só há Amélia.

quarta-feira, 28 de março de 2012

O cheiro de chuva caindo no asfalto lembra o que para você?



Quente e seco
Orgânico, acima de vinte átomos de carbono
Toda chuva vem um dia
Exalar o cheiro do abandono

Mil tralhas no chão da vida
Asfalto, mas quem diria
Que um dia, sem pestanejar
Fostes o porão do meu aconchego, do meu lar

Memórias estraçalhadas
Como não lembrá-las
Se esses versos de piche
São amarras como em um fetiche

Ora francamente!
Ainda me vem esse cheiro de chuva
Que cai no asfalto quente
Que de água é repelente
Mas que não consegue repelir a minha insistente
Saudade

Com gosto de café na boca
Um cobertor  que caiba os dois
Yann tocava sem depressa
Como numa reza, eu decorava essa promessa

De viver ao lado teu
Diante do espírito da chuva, que encarnava o asfalto perfumado
Que um tanto desprezado, o lençol limpo sentia ciúme
Para quê? Para o meu corpo, depois são, ser exumado

Mas que maldita memória olfativa
O cheiro de chuva que se foi pelo ralo
A lágrima ameaça do olho cair
Quando passa o carro aspergindo a água da chuva no asfalto

Mentiras revividas
Ao passo que o passo vem a mim
Encardido de asfalto o sapato de carmim
Esquentando o coração valente do afago dessas despedidas

Não me vem mais a avó afetiva na cozinha
Com os grãos de feijão empurrados
Para dentro da boca  trinchada
Oh! Até essa recordação de mim foi tirada

Se me pedisse  um bom retorno
De sangue eu ia ao encontro teu
Sem sangue eu voltaria desse encontro
Do divino amor eu me converti ateu

Mas enquanto eu espero o pedido de reconciliamento
Já se enche de teias o meu sentimento
A boca pintada de batom vermelho
Proclama um discurso direto em frente ao espelho

Se me perguntastes ainda
O que me lembra o cheiro de chuva que cai no asfalto
Eu responderia, vagarosamente,  numa sina
Me lembra o estrondoso ruído do desalento

A paisagem árdua do sofrimento
A textura do falso encantamento
E o gosto amargo e lento
Do desamor por dentro  




sexta-feira, 9 de março de 2012

Amor volátil

É ter com quem ir
Mas ficar em  abstinência
Clamar eterna veemência
Por um efêmero possuir

Ficar quieto
Surdo, mudo
Aceitando exigências
Sem buscar sapiência

Pela cura do não saber
Da ilusão de não viver
Buscando
O que nunca vai se ter

Ora, francamente, não há escrúpulos
Em se amar
Ora, novamente, se é saudade
Que ele vai buscar

Mas o amor não se comporta
Não do tipo que é volátil
Chora, berra, se esgoela
Sem sequer um limite uniforme
Depois se vira e dorme

Esconderijo

 Dúvidas incessáveis, porém meu corpo apela por um ímpar. Não tento esconder, me deixo levar e caio em graças de amor, mesmo porque o meu esconderijo está a léguas dali.
 Me escondo onde todos possam me ver, com minha alma de escrita automática, sou aluna de vários módulos da inconstante presença. Não quero, mas o meu esconderijo sempre se dirigi a mim como um ser onipresente. Ainda não sei porque cargas d'água ainda não me mudei. Pensando bem, se o tivesse feito, precisaria[de fato] me esconder.