sexta-feira, 11 de abril de 2014

Memórias de Memórias Póstumas de Brás Cubas(Machado de Assis)

''O maior defeito desse livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e á esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...''


    Estava extasiada que finalmente ia começar a ler esse livro, que comprei num sebo, mas de tamanha qualidade que se compara a um zero quilômetro. Tal minha euforia, meu primeiro Machado! Fui até forçada a ler ''Esaú e Jacó'' na escola, mas não serviu pra nada menos que confirmar minha teoria do desnecessário estupro mental.
    O livro começa com a dedicação ao verme, depois o descaso ao leitor. ''[...]se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.'' Logo em seguida começa a narração, que Brás propõe ser de trás pra frente, da morte ao começo. Já que ele se intitula de defunto autor, e não um autor defunto. Narra a morte como apenas uma transição; no capítulo VII até descreve o delírio pré-mortal. E logo em seguida, o meu preferido, ''Razão contra  Sandice'':

''A Razão que voltava à casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo: 'La maison est à moi, c'est à vous d'en sortir.' Mas é sestro antigo  da Sandice criar amor às casas alheias.''

    O menino Brás era o diabo; o adolescente triunfou junto da recente Independência do Brasil. O primeiro beijo foi o de Marcela, mais madura e mais esclarecida. Amou Brás ''durante quinze meses e onze contos de réis, nada menos.'' , até antes d'ele partir pra Europa. Voltou depois, bacharel em Direito, por causa da iminente morte da mãe. Se isolou na chácara da família a fim de fugir da platéia depois da dor. Lá teve um romance com a coxa Eugênia, filha da dona Eusébia, antiga protegida da família . Não se casou com a flor da moita ('' Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?'')e desceu a Tijuca por ordem do pai, que queria que se casasse com Virgília e seguisse a carreira política.

    Acabou perdendo o arranjo para Lobo Neves, e de todo, nem ficou tão mal, não amava Virgília, até então. Porém, o pai morreu, se não de desgosto, da ajuda desse. Depois de uns anos, Virgília voltou de São Paulo com Lobo Neves e enfim nasceu o amor bandido dos dois. Nesse meio tempo, Quincas Borba, antigo colega de turma de Brás, apareceu todo emprumado, de botas novas e calças bem cortadas. Herdou uma herança e devolveu um relógio para ressarcir o que tinha roubado de Brás Cubas anos antes.

    Os encontros amorosos de Virgília e Brás já estavam arriscados, devido aos ''olheiros e escutas'', então o nosso defunto autor arranjou uma casinha para tais 'pecados'. Colocou lá a Dona Plácida como guardiã do templo e do segredo íntimo. Tempos depois, já com a desconfiança do marido, Virgília teve que dar adeus ao seu affair e partir com Lobo Neves para o norte, onde foi nomeado intendente da província do Maranhão. As páginas em diante são dedicadas a explicar a minha parte favorita no livro, a filosofia do Humanitismo. De autoria de Quincas Borba, a filosofia afirma que só há uma desgraça: não nascer. Que a dor é pura ilusão.

'' O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos que assim adquire forças para transpor a montanha e e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas.


[...]  Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.''

    Brás até tentou se casar e ter um filho, mas sua noiva Eulália, a nhã-loló, morreu aos dezenove anos, vítima da febre amarela. Se tornou deputado e, pela terceira vez na vida, conheceu Virgília. Tinha Brás cinquenta anos. Não conseguindo se tornar ministro do Estado, publicou um jornal oposicionista. Nesse meio tempo, morre Lobo Neves, a um pé de ser ministro, o que deu a Brás tranquilidade e alívio e, até certo ponto, prazer. Apesar do remorso na garganta, ou na consciência.

    No penúltimo capítulo, morre o grande Quincas Borba, não antes de virar 'demente'.
''Quincas Borba não só estava louco, mas sabia que estava louco, e esse resto de consciência, como uma frouxa lamparina no meio das trevas, complicava muito o horror da situação.''

    Antes da morte de Cubas, não muito tempo depois, teve a invenção e a derrocada do emplasto Brás Cubas. Não alcançou a celebridade do emplasto, não foi ministro, não foi califa, não conheceu o casamento. Mas Brás se contenta com um pequeno saldo:
''Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.''




    Sobre a leitura, sobre o livro: Não senti empecilho na escrita de Machado, que apesar de rebuscada, não é de todo distante. Considerei já um dos melhores livros que já li. Me apaixonei pela escrita do autor, suas ironias e seu humor cáustico. Me empolguei pelo livro se encaixar no Realismo, movimento literário que tanto me atrai. A história é recheada de frases que soltas dão um belo título de fotos no Instagram, mas ficam melhores ainda dentro dessa narrativa de divagação do homem nu e cru.