segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Pipa infinita

Ascende ao céu com a presunção de ser maior, altiva. Vai seguindo um curso bêbado, indefinido, se importando mais com o percurso do que com a chegada.

 A conversa sonolenta se desdobra numa casa de velho, com cheiro de vó e filosofias sobre a fugacidade da vida dos outros, nunca a nossa. Diante do consolo de dançar devagar, quando escurece na varanda, o amor consolidado dos velhos chega a ser póstumo de tão jovial, como se o passado tivesse do avesso e a ingenuidade se fizesse presente em um corpinho tão injusto. 
A senhora que conta as memórias desse amor demorado, com voz de criança e um tom que não muda com a excitação, se levanta para finalizar num abraço e, logo em seguida, desaba, em um choro silencioso, que pesa um monte de anos.
Eu mal conseguia olhar direto, tinha uma sede mansa mas uma vergonha danada de estragar o ambiente de saudade. Saudade feito pipa que voa longe, sem grande desafio. que se apercebe numa olhada rápida lá no céu, feito linha dentro d'água, desdobrando-se em impulsos tímidos e nervosos. 
Enquanto confortam a querida velha, eu olho firme para os retratos empoleirados numa mesinha de canto, que contam e valem mais do que os de hoje em dia. Eu pouso o olhar por ali e fico a pensar no amor dos outros, que dura uma eternidade até o segundo por vir e escapar uma linha de pipa. 

terça-feira, 19 de julho de 2016

old man

Estava numa ansiedade só, muita coisa a ser feita, uma cabeça frenética, um tempo escorrido, choro no banho e uma angustia que estava só no começo. Todo dia saia uma hora mais cedo de casa para tomar o ônibus, de cara amarrada, desviando de homens ruins que passam sem rumo. Até que chega, enfim, ao seu destino de partida. E se depara com uma cena que lhe chama atenção. Um senhor, de cabelos branquinhos, joelhos descobertos e um jornal na mão, abrindo sua quitanda no pingo do sol quente, logo ali na frente.

Suas mãozinhas hábeis, tateando os ferrolhos até que, num gesto preguiçoso, abre uma portinhola. A outra se abre por consequência da primeira, ou por obediência ao velho. Ele puxa cuidadosamente uma cadeira, abre o jornal e procura palavras vagas que lhes dê um sabor de novidade.

Aquela cena foi um baque para mim. Sentada defronte, muito quieta, assistindo com olhinhos pequenos para não chamar atenção, fui invadida assim, sem mais nem menos, por um calor meio doce, meio áspero, de gente que vive devagar e escolhe com cuidado o que vai comer. Uma ideia de nostalgia e a certeza que a calmaria arremata o caos do coração em turbilhão.