Estava numa ansiedade só, muita coisa a ser feita, uma
cabeça frenética, um tempo escorrido, choro no banho e uma angustia que estava
só no começo. Todo dia saia uma hora mais cedo de casa para tomar o ônibus, de
cara amarrada, desviando de homens ruins que passam sem rumo. Até que chega,
enfim, ao seu destino de partida. E se depara com uma cena que lhe chama
atenção. Um senhor, de cabelos branquinhos, joelhos descobertos e um jornal na
mão, abrindo sua quitanda no pingo do sol quente, logo ali na frente.
Suas mãozinhas hábeis, tateando os ferrolhos até que, num
gesto preguiçoso, abre uma portinhola. A outra se abre por consequência da
primeira, ou por obediência ao velho. Ele puxa cuidadosamente uma cadeira, abre
o jornal e procura palavras vagas que lhes dê um sabor de novidade.
Aquela cena foi um baque para mim. Sentada defronte, muito
quieta, assistindo com olhinhos pequenos para não chamar atenção, fui invadida
assim, sem mais nem menos, por um calor meio doce, meio áspero, de gente que
vive devagar e escolhe com cuidado o que vai comer. Uma ideia de nostalgia e a
certeza que a calmaria arremata o caos do coração em turbilhão.