''Estou pensando em auroques e anjos, no segredo de duráveis pigmentos, em sonetos proféticos, no refúgio da arte. E esta é a única imortalidade de que você e eu podemos compartilhar, minha Lolita. ''
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Janela Discreta
Subia ao telhado para observar os cônjuges abraços de nove horas quando encontrou, no parapeito de uma janela, o resto de um cigarro recostado miseravelmente sobre os átomos de carbono incineráveis. A auréola vermelha de um batom misógino foi deixada, como que para mostrar que o esplendor não se faz sem dono.
E ainda assim, Vando continuou a subir. Mas sabe? Não é que não existisse uma amostra de satisfação. Só não era cabível uma mulher amada que não pede sempre um pouco mais. Ele bem sabia que certas damas retribuem melhor do que defendem, mas Vando insistia em subir mais um pouco.
Depois de um tempo de descanso, ao parar feito estátua pelo calafrio do abraço duro e lento de uma velha porta, nosso bom moço até pensou em voltar e deitar numa dessas cadeiras de balanço que te ninam. Espionar um pouco o curso das formigas rente a porta e estaria pronto para dormir.
Mas, de alguma forma, se auto-contrabandear era um jeito bom de se sentir em casa. Vando, então, continuou a subir.
Chegando ao telhado, o binóculos lhe era a extensão ocular que Deus lhe esquecera. Manejava aquele troço todo como o ovo de uma galinha, antes de ser quebrado. A partir daí Vando era Deus mítico, calculava cada diálogo, imaginava cada olhar, sentia na tez ressecada cada toque, até os não dados.
Quando se sabe o momento mais feliz da vida de alguém ? Como admitir que a glória do outro é só o começo da sua ? O fato é que Vando nem se fazia ali, parado em cima do telhado, baixando o olhar para o calçado maltratado, esparramando alguns grãos de areia com o pé.
Vando era a maciez da coxa da vizinha do nono andar, o doce feminino e pueril da mulher do sexto; era quando desce a curva no ombro damasco da que lava a roupa. Era o raiar rebatido na pele matinal, com todas aquelas manchas de travesseiro. Assim como era o espaldar do ombro masculino do que se espreguiçava; os cabelos da nuca, todos bem emparelhados, do já dormido. O relevo de um sinal na omoplata rígida de outro algum.
Ele se fazia em todos juntos e em um por vez. Assumia a alma de amador e, ainda assim, começou a descer. Vando continuou a descer.
E ainda assim, Vando continuou a subir. Mas sabe? Não é que não existisse uma amostra de satisfação. Só não era cabível uma mulher amada que não pede sempre um pouco mais. Ele bem sabia que certas damas retribuem melhor do que defendem, mas Vando insistia em subir mais um pouco.
Depois de um tempo de descanso, ao parar feito estátua pelo calafrio do abraço duro e lento de uma velha porta, nosso bom moço até pensou em voltar e deitar numa dessas cadeiras de balanço que te ninam. Espionar um pouco o curso das formigas rente a porta e estaria pronto para dormir.
Mas, de alguma forma, se auto-contrabandear era um jeito bom de se sentir em casa. Vando, então, continuou a subir.
Chegando ao telhado, o binóculos lhe era a extensão ocular que Deus lhe esquecera. Manejava aquele troço todo como o ovo de uma galinha, antes de ser quebrado. A partir daí Vando era Deus mítico, calculava cada diálogo, imaginava cada olhar, sentia na tez ressecada cada toque, até os não dados.
Quando se sabe o momento mais feliz da vida de alguém ? Como admitir que a glória do outro é só o começo da sua ? O fato é que Vando nem se fazia ali, parado em cima do telhado, baixando o olhar para o calçado maltratado, esparramando alguns grãos de areia com o pé.
Vando era a maciez da coxa da vizinha do nono andar, o doce feminino e pueril da mulher do sexto; era quando desce a curva no ombro damasco da que lava a roupa. Era o raiar rebatido na pele matinal, com todas aquelas manchas de travesseiro. Assim como era o espaldar do ombro masculino do que se espreguiçava; os cabelos da nuca, todos bem emparelhados, do já dormido. O relevo de um sinal na omoplata rígida de outro algum.
Ele se fazia em todos juntos e em um por vez. Assumia a alma de amador e, ainda assim, começou a descer. Vando continuou a descer.
quarta-feira, 17 de julho de 2013
Causos da vida citadina
Estava a pegar um ônibus por esse fim
de tarde, quando este me para em frente a uma dessas igrejas bem construídas.
Adentrou na cloaca de alumínio uma moça de coque alto, lábios crispados e
orelhas sem furos.
Carregava consigo um papel de aspecto imperativo, quase como uma receita. Sentou-se logo à minha frente e ergueu o bendito papel a fim de ler. Pergunto-me se aquelas sobrancelhas arqueadas sabiam que, a uma poltrona atrás, sentava-se uma moça inquietantemente curiosa sobre leituras alheias.
Ergui o pescoço sem muito esforço, já que o meu patamar era mais alto. E pus-me a ler, diante tamanha tremedeira, um tópico. “Concorde que o divórcio não é a resposta! O divórcio é exigido apenas em caso de adultério. Mas, mesmo assim, não é exigido, apenas permitido. O perdão é sempre melhor que o divórcio!’’.
A moça bendita se empertigava na poltrona enquanto rolava os dedos por cada linha ratificada. Talvez estivesse de fato pensando no marido e nas luxúrias da beatice ou, lá se sabe, pensando em furtar alguns dons dessas boas jovens de esquina. O que não notei foi que, enquanto eu estava a descrever a possível batalha da beata envasilhada, uma outra moça, de olhos extremamente grandes e mãos ossudas, estacionada e erguida ao meu lado, esperando a próxima parada, analisava meus pormenores, desenrolados por meus dedos na fina tela de um celular.
Senti-me intimamente desacatada! Como ousara, sem o mínimo pudor, essazinha vasculhar meus pensamentos a respeito da vida alheia?! Francamente, não se tem mais privacidade nos dias de hoje!
Carregava consigo um papel de aspecto imperativo, quase como uma receita. Sentou-se logo à minha frente e ergueu o bendito papel a fim de ler. Pergunto-me se aquelas sobrancelhas arqueadas sabiam que, a uma poltrona atrás, sentava-se uma moça inquietantemente curiosa sobre leituras alheias.
Ergui o pescoço sem muito esforço, já que o meu patamar era mais alto. E pus-me a ler, diante tamanha tremedeira, um tópico. “Concorde que o divórcio não é a resposta! O divórcio é exigido apenas em caso de adultério. Mas, mesmo assim, não é exigido, apenas permitido. O perdão é sempre melhor que o divórcio!’’.
A moça bendita se empertigava na poltrona enquanto rolava os dedos por cada linha ratificada. Talvez estivesse de fato pensando no marido e nas luxúrias da beatice ou, lá se sabe, pensando em furtar alguns dons dessas boas jovens de esquina. O que não notei foi que, enquanto eu estava a descrever a possível batalha da beata envasilhada, uma outra moça, de olhos extremamente grandes e mãos ossudas, estacionada e erguida ao meu lado, esperando a próxima parada, analisava meus pormenores, desenrolados por meus dedos na fina tela de um celular.
Senti-me intimamente desacatada! Como ousara, sem o mínimo pudor, essazinha vasculhar meus pensamentos a respeito da vida alheia?! Francamente, não se tem mais privacidade nos dias de hoje!
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Do conto em partida
A cabeça girando, sem saber em que ponto parar.
Meia dúzia de palavras expulsas no canto da boca, um coro em canto e uma nudez sobre os olhos.
Glória era dessas fogosas meninas-mulheres que se camuflam em sorrisos verdadeiros. Dessas que até em título querem pôr um ponto. A vida também lhe era a mesma, repleta de olhares furtivos, aromas estreitos e família reunida.
Teve de ter pulso firme quando um dia lhe perguntaram sobre a culpa de Capitu. Desde então passou a levantar pela manhã com o impulso da tormenta e, ao entrar na água fria, expulsava a pontapés os pensamentos lancinantes sobre afeição, qualquer que fosse. Não era hora! A manhã não é feita para se viver de fato. Flutua-se! Observa-se! Cala-te!
A menina sobreviveu amada e, logo em seguida, senhora. Brincava de mulher-de-negócio, depois de lolita. De fato nunca foi lembrada, mas sentida. E quando distraída, era tão querida que até se fazia pudor. Mas, aos suspiros, passou por uma nova fase. Glória tornou-se obsessiva, viciada em afeto. Passou a cantar pela manhã, às vezes nem dormia de ansiedade. Brigava com todos e tudo, podiam ser o que quisessem, bastava só um tapa na cara e ela se aliviava. O amor, como para todo viciado, era-lhe minguado, medido. As olheiras a incriminavam e o peito era tão inchado que haviam se encurtado as curvas.
Os homens, oh, não lhe faltaram. Eram Josés, Augustos, Márcios e até Murilos. Nenhum valia um centavo, mas todos lhe satisfaziam pelo simples fato de acatarem a origem bastarda, alguns até pontuavam bônus com suas depravações à meia luz. À margem de qualquer suspeita, suas ondas ferrugem a camuflavam, sentia-se a candura pulsando na branquidão ossuda da tez. Ao passo que o ardor, crescido da mágoa d'os bem-servidos, era-lhe a principal das meiguices. E a pior. A mais devastadora e dominante.
Sentia-se cada vez mais perto do seu esplendor, a danada da Glória. Sonhava com o dia em que, sem agonia, algum desses bastardos lhe apunhala-se o peito até que enfim jorrasse toda a vermelha turbação. Às vezes, tinha lá os seus deslizes, quando por hora deixava de ser anágua e passava a ser brinco. Mas a hora de morrer de amor estava por vir. Andava tudo tão quente!
Até que Glória, sem mais nem menos, decidiu morrer de morte morrida, dessas comuns que a gente só vem em novela. O fato foi que ela não teve clemência de nenhuma das suas pobres almas enclausuradas. Decidiu perpetua-se em bronze em vez de brasa. Consentiu com a vida cheia de graça e, no fundo, a bem amada.Hoje, pode-se encontrá-la por aí, fazendo compras na feira.
Meia dúzia de palavras expulsas no canto da boca, um coro em canto e uma nudez sobre os olhos.
Glória era dessas fogosas meninas-mulheres que se camuflam em sorrisos verdadeiros. Dessas que até em título querem pôr um ponto. A vida também lhe era a mesma, repleta de olhares furtivos, aromas estreitos e família reunida.
Teve de ter pulso firme quando um dia lhe perguntaram sobre a culpa de Capitu. Desde então passou a levantar pela manhã com o impulso da tormenta e, ao entrar na água fria, expulsava a pontapés os pensamentos lancinantes sobre afeição, qualquer que fosse. Não era hora! A manhã não é feita para se viver de fato. Flutua-se! Observa-se! Cala-te!
A menina sobreviveu amada e, logo em seguida, senhora. Brincava de mulher-de-negócio, depois de lolita. De fato nunca foi lembrada, mas sentida. E quando distraída, era tão querida que até se fazia pudor. Mas, aos suspiros, passou por uma nova fase. Glória tornou-se obsessiva, viciada em afeto. Passou a cantar pela manhã, às vezes nem dormia de ansiedade. Brigava com todos e tudo, podiam ser o que quisessem, bastava só um tapa na cara e ela se aliviava. O amor, como para todo viciado, era-lhe minguado, medido. As olheiras a incriminavam e o peito era tão inchado que haviam se encurtado as curvas.
Os homens, oh, não lhe faltaram. Eram Josés, Augustos, Márcios e até Murilos. Nenhum valia um centavo, mas todos lhe satisfaziam pelo simples fato de acatarem a origem bastarda, alguns até pontuavam bônus com suas depravações à meia luz. À margem de qualquer suspeita, suas ondas ferrugem a camuflavam, sentia-se a candura pulsando na branquidão ossuda da tez. Ao passo que o ardor, crescido da mágoa d'os bem-servidos, era-lhe a principal das meiguices. E a pior. A mais devastadora e dominante.
Sentia-se cada vez mais perto do seu esplendor, a danada da Glória. Sonhava com o dia em que, sem agonia, algum desses bastardos lhe apunhala-se o peito até que enfim jorrasse toda a vermelha turbação. Às vezes, tinha lá os seus deslizes, quando por hora deixava de ser anágua e passava a ser brinco. Mas a hora de morrer de amor estava por vir. Andava tudo tão quente!
Até que Glória, sem mais nem menos, decidiu morrer de morte morrida, dessas comuns que a gente só vem em novela. O fato foi que ela não teve clemência de nenhuma das suas pobres almas enclausuradas. Decidiu perpetua-se em bronze em vez de brasa. Consentiu com a vida cheia de graça e, no fundo, a bem amada.Hoje, pode-se encontrá-la por aí, fazendo compras na feira.
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