Estava a pegar um ônibus por esse fim
de tarde, quando este me para em frente a uma dessas igrejas bem construídas.
Adentrou na cloaca de alumínio uma moça de coque alto, lábios crispados e
orelhas sem furos.
Carregava
consigo um papel de aspecto imperativo, quase como uma receita. Sentou-se logo
à minha frente e ergueu o bendito papel a fim de ler. Pergunto-me se aquelas
sobrancelhas arqueadas sabiam que, a uma poltrona atrás, sentava-se uma moça inquietantemente
curiosa sobre leituras alheias.
Ergui
o pescoço sem muito esforço, já que o meu patamar era mais alto. E pus-me a
ler, diante tamanha tremedeira, um tópico. “Concorde que o divórcio não é a
resposta! O divórcio é exigido apenas em caso de adultério. Mas, mesmo assim,
não é exigido, apenas permitido. O perdão é sempre melhor que o divórcio!’’.
A
moça bendita se empertigava na poltrona enquanto rolava os dedos por cada linha
ratificada. Talvez estivesse de fato pensando no marido e nas luxúrias da
beatice ou, lá se sabe, pensando em furtar alguns dons dessas boas jovens de
esquina. O que não notei foi que, enquanto eu estava a descrever a possível
batalha da beata envasilhada, uma outra moça, de olhos extremamente grandes e
mãos ossudas, estacionada e erguida ao meu lado, esperando a próxima parada,
analisava meus pormenores, desenrolados por meus dedos na fina tela de um
celular.
Senti-me
intimamente desacatada! Como ousara, sem o mínimo pudor, essazinha vasculhar meus pensamentos a respeito da vida alheia?! Francamente,
não se tem mais privacidade nos dias de hoje!
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