quarta-feira, 17 de julho de 2013

Causos da vida citadina

         Estava a pegar um ônibus por esse fim de tarde, quando este me para em frente a uma dessas igrejas bem construídas. Adentrou na cloaca de alumínio uma moça de coque alto, lábios crispados e orelhas sem furos.
         Carregava consigo um papel de aspecto imperativo, quase como uma receita. Sentou-se logo à minha frente e ergueu o bendito papel a fim de ler. Pergunto-me se aquelas sobrancelhas arqueadas sabiam que, a uma poltrona atrás, sentava-se uma moça inquietantemente curiosa sobre leituras alheias.
         Ergui o pescoço sem muito esforço, já que o meu patamar era mais alto. E pus-me a ler, diante tamanha tremedeira, um tópico. “Concorde que o divórcio não é a resposta! O divórcio é exigido apenas em caso de adultério. Mas, mesmo assim, não é exigido, apenas permitido. O perdão é sempre melhor que o divórcio!’’.
         A moça bendita se empertigava na poltrona enquanto rolava os dedos por cada linha ratificada. Talvez estivesse de fato pensando no marido e nas luxúrias da beatice ou, lá se sabe, pensando em furtar alguns dons dessas boas jovens de esquina. O que não notei foi que, enquanto eu estava a descrever a possível batalha da beata envasilhada, uma outra moça, de olhos extremamente grandes e mãos ossudas, estacionada e erguida ao meu lado, esperando a próxima parada, analisava meus pormenores, desenrolados por meus dedos na fina tela de um celular.
         Senti-me intimamente desacatada! Como ousara, sem o mínimo pudor, essazinha vasculhar meus pensamentos a respeito da vida alheia?! Francamente, não se tem mais privacidade nos dias de hoje! 

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