segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Pipa infinita

Ascende ao céu com a presunção de ser maior, altiva. Vai seguindo um curso bêbado, indefinido, se importando mais com o percurso do que com a chegada.

 A conversa sonolenta se desdobra numa casa de velho, com cheiro de vó e filosofias sobre a fugacidade da vida dos outros, nunca a nossa. Diante do consolo de dançar devagar, quando escurece na varanda, o amor consolidado dos velhos chega a ser póstumo de tão jovial, como se o passado tivesse do avesso e a ingenuidade se fizesse presente em um corpinho tão injusto. 
A senhora que conta as memórias desse amor demorado, com voz de criança e um tom que não muda com a excitação, se levanta para finalizar num abraço e, logo em seguida, desaba, em um choro silencioso, que pesa um monte de anos.
Eu mal conseguia olhar direto, tinha uma sede mansa mas uma vergonha danada de estragar o ambiente de saudade. Saudade feito pipa que voa longe, sem grande desafio. que se apercebe numa olhada rápida lá no céu, feito linha dentro d'água, desdobrando-se em impulsos tímidos e nervosos. 
Enquanto confortam a querida velha, eu olho firme para os retratos empoleirados numa mesinha de canto, que contam e valem mais do que os de hoje em dia. Eu pouso o olhar por ali e fico a pensar no amor dos outros, que dura uma eternidade até o segundo por vir e escapar uma linha de pipa. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário