Orgânico, acima de vinte átomos de carbono
Toda chuva vem um dia
Exalar o cheiro do abandono
Mil tralhas no chão da vida
Asfalto, mas quem diria
Que um dia, sem pestanejar
Fostes o porão do meu aconchego, do meu lar
Memórias estraçalhadas
Como não lembrá-las
Se esses versos de piche
São amarras como em um fetiche
Ora francamente!
Ainda me vem esse cheiro de chuva
Que cai no asfalto quente
Que de água é repelente
Mas que não consegue repelir a minha insistente
Saudade
Com gosto de café na boca
Um cobertor que caiba os dois
Yann tocava sem depressa
Como numa reza, eu decorava essa promessa
De viver ao lado teu
Diante do espírito da chuva, que encarnava o asfalto perfumado
Que um tanto desprezado, o lençol limpo sentia ciúme
Para quê? Para o meu corpo, depois são, ser exumado
Mas que maldita memória olfativa
O cheiro de chuva que se foi pelo ralo
A lágrima ameaça do olho cair
Quando passa o carro aspergindo a água da chuva no asfalto
Mentiras revividas
Ao passo que o passo vem a mim
Encardido de asfalto o sapato de carmim
Esquentando o coração valente do afago dessas despedidas
Não me vem mais a avó afetiva na cozinha
Com os grãos de feijão empurrados
Para dentro da boca trinchada
Oh! Até essa recordação de mim foi tirada
Se me pedisse um bom retorno
De sangue eu ia ao encontro teu
Sem sangue eu voltaria desse encontro
Do divino amor eu me converti ateu
Mas enquanto eu espero o pedido de reconciliamento
Já se enche de teias o meu sentimento
A boca pintada de batom vermelho
Proclama um discurso direto em frente ao espelho
Se me perguntastes ainda
O que me lembra o cheiro de chuva que cai no asfalto
Eu responderia, vagarosamente, numa sina
Me lembra o estrondoso ruído do desalento
A paisagem árdua do sofrimento
A textura do falso encantamento
E o gosto amargo e lento
Do desamor por dentro
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